quarta-feira, 21 de abril de 2010

Nem desistir nem tentar

Eu que pensava que tudo era pra sempre. Eu que pensava que o amor jamais acabaria. Eu que pensava que era alegria demais mas que, enfim, eu merecia depois de tanto caminhar entre pedras e cactos. Eu que pensava que estava tudo ótimo e não teria como ficar melhor. Eu que direcionava minha vida baseada em cálculos matemáticos e que jamais meus cálculos teriam resultados negativos. Eu que pensava ter finalmente atingido o nirvana... Me encontro agora no mesmo lugar que comecei. Sem saber que o pra sempre sempre acaba...
Entretanto, como Hegel já dizia, não estou mais no mesmo lugar. Aparentemente voltei à estaca zero. A vida não é um círculo nem uma linha reta. A vida é um espiral. Esta, digamos assim, foi minha tese. Minha tese de agora, já que tive muitas outras teses anteriormente. Experimentei tudo que estava ao meu alcance até chegar a uma conclusão. O Amor não é uma palavra só, não é um conceito fechado. Ele é infinito em si mesmo. É uma mistura de vários sentimentos fortes. Ódio e vingança podem complementar o amor assim como amizade e lealdade. A união desses e de vários outros sentimentos, em diferentes doses pode resultar naquilo que chamamos de Amor. Com esse pensamento em mente chegarei à minha antítese em qualquer momento. Acho que cheguei a ela agora mesmo. Voltei ao mesmo lugar, mas tenho uma idéia diferente da realidade, meu terror subsequente. Cheguei a conclusão de que a incerteza pode me trazer mais certeza do que a própria certeza. Os momentos de incertezas são mais certos do que os incertos momentos de certeza. A felicidade está na incerteza e a infelicidade está na certeza. O conformismo, posso dizer agora, é o maior inimigo da Felicidade. Mesmo me considerando uma pessoa calma, com uma imensa paz de espírito, acho que a incerteza foi a responsável pelos meus melhores momentos de felicidade. Posteriormente, quando essa ressaca de sentimentos passar, chegarei a síntese, que é onde finalmente encontrarei o estado constitucional de cidadã livre, o estado em que encontrarei em mim mesma minhas normas e que elas próprias servirão de base para suas criações e revogações. Esse é o momento pelo qual esperarei ansiosamente. Posso considerar este o momento mais incerto da minha vida. E essa incerteza, por mais incerta que seja, me traz uma grande excitação e felicidade. O mais gratificante da vitória não é atingir a linha de chegada, mas ter superado os obstáculos do caminho.
Mudaram as estações, mas nada mudou. Quando penso em alguém (prefiro guardar pra mim)... e ai então estamos bem. Mesmo com tantos motivos pra deixar tudo como está....
Nem desistir nem tentar, agora tanto faz, estamos indo de volta pra casa...

domingo, 18 de abril de 2010

Os Três Mal Amados

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos...
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

João Cabral de Melo Neto

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Crise existencial

O mundo resolveu conspirar contra mim?
Um copo de cerveja já me deixa bêbada? Pior, falando o que não deveria?
As pessoas resolveram dar as costas pra mim sempre na mesma hora? E na mesma hora também resolveram ser amáveis pra me deixar mais confusa ainda?
Será que é impossível seguir essa dieta?
Se minha mãe for embora, o que será de mim?
É melhor ter uma casa só minha ou dividir as despesas e afazeres com os outros?
E esse cabelo, o que eu faço com ele? É melhor loira aguada, ruiva louca ou morena comum?
Cadê o tempo, será que não sobrou nem um pouquinho pra mim?
O que eu quero mesmo da vida, será que nunca vou descobrir?