quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Carta de amor

Está aqui. Papel em branco, caneta. E uma dúvida. Escrever ou não escrever a carta, eis a questão. Por que escrever a carta? E por que não? Por que esperar mais para isso, se o que eu sinto é tão real, tão verdadeiro, tão intenso? Eu só quero dizer como eu me sinto, como eu estou. Essa carta é só pra dizer que eu ainda sinto tudo que eu sentia antes. A única coisa que mudou é que o sentimento se fez mais real. Foi posto às mais difíceis provas e resistiu, continuou firme, forte e intácto. E eu que sempre fui tão racional... Agora estou aqui, presa numa dúvida. Dividida entre papel e caneta. Entre afirmar ou negar. Entre amar ou esquecer. Estou entre, quem sabe o maior dilema da humanidade, a emoção e a razão. Enquanto isso o tempo vai passando e passando... Quem sabe o tempo esteja aumentando a saudade... ou o esquecimento. Quem sabe seja melhor esperar a poeira baixar... ou nunca mais ver poeira alguma. Os tempos são outros. Talvez tenhamos uma chance. Talvez não... Essa carta seria só pra dizer que eu estou aqui. Que eu espero o tempo que for necessário para o romance renascer. Eu ainda não desisti.
Sim, é uma carta de amor. Quem nunca sentiu vontade de escrever uma carta de amor? Melhor, quem nunca sentiu vontade de receber uma carta de amor? Por mais que não seja correspondido, sempre vai haver aquela pessoa a quem recorrer. Sempre vai haver aquela carta, que diz "eu te amo". Quando estiver desiludido, vai lembrar da carta, que diz com todas as mais belas palavras que nem tudo está perdido, que há alguém no mundo que ainda gosta de você. Melhor, que esse amor está registrado e assinado. A carta é uma prova concreta do amor, seja de quem for. E numa noite em que nem a lua apareceu pra fazer companhia você se lembra da carta, que não mudou as palavras, mesmo estando empoeirada em cima do guada-roupa a tanto tempo. Você relê a carta, pega o telefone e talvez até ameace ligar para a autora. É um perigo que se corre. Talvez, quando a lua sumir e o telefone tocar, eu já esteja longe, com outro amor. Talvez esteja até escrevendo outra carta de amor para outro grande amor. Mas, assim como é emocionante receber uma carta de amor de quem não se gosta, mais emocionante ainda é receber a resposta de uma carta de amor, mesmo que o amor tenha desbotado. Uma vez grande amor, eternamente grande amor. Mesmo que ele tenha virado ódio, amizade, compaixão, carinho... Amor é Amor. Sem mais explicações. Rever um grande amor, então... desconcertante, principalmente depois de uma carta de amor. Mas, como dizia o poeta:


Todas as as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Álvaro de Campos, era um ridículo bem corajoso. Ou um corajoso ridículo. E, sim, eu sou ridícula. Orgulhosamente ridícula. Talvez a carta nunca seja lida, talvez ela seja amassada e jogada no lixo juntamente com os restos do jantar. Mesmo assim continuarei a ser ridícula. Enquanto houver amor eu permanecerei ridícula.
Agora, chega de pensar, chega de questionamentos. Chega de presumir martírios. Deixe-me ser ridícula. Dê-me licença, vou escrever uma carta.

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