quarta-feira, 24 de junho de 2009

O anti-sentimento


Sentimento. Exatamente aquilo que distingue o homem do animal guiado por seus instintos. Exatamente aquilo que distingue o homem da máquina, mesmo ela sendo criada pelo primata. Observando a ordem natural das coisas fica difícil imaginar que uma pessoa possa não sentir ódio, não sentir pena, não sentir amor, não sentir repúdio. Imagine que essa pessoa sinta simplesmente... nada. Nenhum lugar é bom ou ruim. Nenhuma música é agradável ou repugnante. Nenhuma pessoa é amável ou detestável. O mundo ao redor simplesmente tem gosto de nada, cheiro de nada, aspecto de nada. Agora imagine ficar ao lado do anti-sentimento. Ele não está ao seu lado porque gosta da sua companhia, porque gosta do ambiente em que se encontra, porque quer. Ele simplesmente está lá porque está. Não gosta nem desgosta. Não sorri, não fica sério, fica com cara de nada o tempo todo. O anti-sentimento não expressa opiniões, porque ele não as tem, por supuesto. Quando alguém lhe pergunta o que acha de alguma coisa ele simplesmente responde que tanto faz, já que é uma resposta bem curta e não deixa muita brecha pra qualquer outra interrogação. Tanto faz já é o bastante para responder e acabar com o questionamento sem rumo. O anti-sentimento não tem vontade própria, não tem opinião, não tem amigos, não tem relacionamentos, não tem relações de afeto. Se alguém quiser ficar ao lado dele que fique. Se não, tanto faz.
Quando se quer esquecer um anti-sentimento é muito fácil. Basta imaginar que dando um beijo ou um tapa na boca dele ele irá reagir da mesma forma. Amando ou odiando ele irá reagir da mesma forma. A forma tanto faz de ser, a forma anti-sentimento de ser. A forma do nada. Esquecer alguém que não se importa em ser esquecido, que não se importa com nada nem com ninguém, que não se importa nem consigo mesmo é muito simples. Basta trata-lo da mesma forma como ele trata todo mundo. A forma do nada. E como para muitas pessoas a indiferença é quase uma ofensa, basta trata-lo mal, dar as costas. E esquecê-lo.
Mas e quando o anti-sentimento parece expressar alguma mágoa, algum rancor? Se antes já era difícil imaginar alguém completamente sem sentimentos, agora é mais difícil ainda imaginar o anti-sentimento sentindo alguma coisa. Cantarolando músicas de rompimentos amorosos e escrevendo frases de aumento de auto-estima (geralmente direcionadas para pessoas de baixa auto-estima). É difícil imaginar o anti-sentimento se sentindo realmente triste, sentindo que perdeu alguma coisa e expressando isso. É quase prazeroso ver o anti-sentimento sofrer, já que ele já fez tantas outras pessoas pensarem que não têm valor pela reação indiferente dele em relação a elas. Tantas pessoas o estão tratando com indiferença que talvez ele esteja sentindo alguma coisa. Talvez ele esteja se sentindo só. E a solidão talvez seja o sentimento mais antigo do mundo, já que segundo quase todos os livros sagrados que eu conheço, o Criador fez o mundo porque estava se sentindo só em sua imensidão.
Quem sabe o anti-sentimento esteja realmente se tornando um ser humano? Será que ele conseguirá conversar com alguém? Será que ele responderá mais do que respostas monossilábicas? Será que ele fará perguntas? Será que ele não está se fazendo perguntas agora?

Nenhum comentário: